Na virada da década de 1970 para a de 1980, Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. (1945 - 1991), o Gonzaguinha, era o compositor da vez e tinha o repertório disputado pelas maiores cantoras da MPB. Contudo, quando o cantor e compositor carioca se lançou em 1969 no II Festival Universitário da Música Brasileira (TV Tupi), ninguém queria dar voz a Gonzaguinha. A cantora carioca Claudette Soares foi exceção, defendendo Mundo novo, vida nova, composição registrada por Claudette no LP gravado ao vivo com músicas do festival e editado naquele ano de 1969.


Cantora gaúcha radicada desde 2006 na cidade de São Paulo (SP), Mirianês Zabot sabe do pioneirismo de Claudette ao gravar Gonzaguinha. Por isso, convidou a colega para cantar com ela a balada sintomaticamente intitulada De volta ao começo (1980). O dueto aparece no segundo álbum da artista gaúcha, Pegou um sonho e partiu - Mirianês Zabot canta Gonzaguinha, disco independente recém-lançado com distribuição da Tratore. 


No álbum, produzido pelo violonista Osvaldo Bosbah com a própria Zabot, a cantora dá voz a 11 músicas lançadas por Gonzaguinha entre 1969 e 1982. Zabot canta Gonzaguinha com correção, sem dar toque renovador às músicas do compositor nas interpretações reverentes. O suave traço de criatividade do disco está sublinhado nos arranjos de Bosbah. A guitarra insinuante posta por Mário Manga em Galope (1974) - música em que Gonzaguinha mostrou que também era herdeiro musical do pai, o proclamado rei do baião Luiz Gonzaga (1912 - 1989) - é um desses traços. Outro é a suavidade quase bossa-novista que tira Espere por mim, morena (1976) do clima ruralista em que a canção-toada normalmente é ambientada. 


De timbre brando, a voz de Mirianês Zabot se afina mais com os sambas - como Um sorriso nos lábios (1972) e o samba-enredo Desenredo (G.R.E.S. Unidos do Pau Brasil) (Gonzaguinha e Ivan Lins, 1979) - do que com baladas da estirpe de Sangrando (1980) e Maravida (1981), talhadas para cantoras de registro emocional mais intenso como Maria Bethânia e Simone, intérpretes preferenciais da obra do compositor. 


Zabot também poderia seguir Caminhos do coração (1982) em ritmo mais lento para evidenciar todo o afeto humanista embutido nos versos da canção (regravada com precisão por Elba Ramalho em 1992 no álbum Encanto). Contudo, Pegou um sonho e partiu - CD cujo título reproduz verso do samba Com a perna no mundo (1979) - soa agradável pela força da obra do compositor. Como anteviu a antenada Claudette Soares naquele ano de 1969, o cancioneiro de Gonzaguinha é 'coisa mais maior de grande'. (Cotação: * * *)


(Foto: reprodução da capa do álbum Pegou um sonho e partiu - Mirianês Zabot canta Gonzaguinha. Mirianês Zabot em foto de Bárbara Crepaldi)