Em 13 de maio de 1888, há 130 anos, o Senado do Império do Brasil 
aprovava uma das leis mais importantes da história brasileira, a Lei 
Áurea, que extinguiu a escravidão. Não era apenas a liberdade que estava
 em jogo, diz o historiador Luiz Felipe de Alencastro, um dos maiores 
pesquisadores da escravidão no Brasil. Outro tema na mesa era a reforma 
agrária. 
 O debate sobre a repartição das terras nacionais havia sido proposto 
pelo abolicionista André Rebouças, engenheiro negro de grande prestígio.
 Sua ideia era criar um imposto sobre fazendas improdutivas e distribuir
 as terras para ex-escravos. O político Joaquim Nabuco, também 
abolicionista, apoiou a ideia. Já fazendeiros, republicanos e mesmo 
abolicionistas mais moderados ficaram em polvorosa. 
 "A maior parte do movimento republicano fechou com os latifundiários 
para não mexer na propriedade rural", diz Alencastro. Foi aí que veio a 
aprovação da Lei Áurea, sem nenhuma compensação ou alternativa para os 
libertos se inserirem no novo Brasil livre. "No final, a ideia de 
reforma agrária capotou". 
 Nesta entrevista para a BBC Brasil, o historiador fala ainda sobre a 
origem da violência do Estado atual contra os negros, afirma que a 
escravidão saiu da pauta e passou a ser vista como um passado distante, 
apesar de não ter acabado há tanto tempo assim, e critica o uso da 
palavra "diversidade" para se referir aos negros. "Falar de diversidade é
 considerar que os negros são uma minoria, como nos Estados Unidos. Mas 
no Brasil eles são a maioria. É muito mais que diversidade, é 
democracia". 
 Alencastro é hoje professor da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. É
 também professor emérito da universidade de Paris Sorbonne, onde 
lecionou por 14 anos, e autor do livro "O trato dos viventes: formação 
do Brasil no Atlântico Sul". Veja abaixo os principais trechos da 
entrevista: 
 BBC Brasil - Como entender que o Brasil tenha sido o último país a abolir a escravidão nas Américas? 
 Luiz Felipe de Alencastro - O
 Brasil foi o último porque foi o que mais importou africanos - 46% de 
todos que foram trazidos coercitivamente para as Américas. Esse volume 
assombroso de africanos que chegou aqui acorrentado era considerado como
 uma propriedade privada. Isso cria uma dinâmica em que a propriedade 
escrava era muito importante. Muita gente tinha escravos. Nas cidades 
havia gente remediada que tinha um ou dois escravos. Os estudos mostram 
que a propriedade escrava no Brasil era muito mais difundida que na 
Jamaica ou no Sul dos Estados Unidos. Assim, muita gente, e não só os 
fazendeiros, achava que o país ia se arruinar se parasse de trazer 
africanos. Quase tudo dependia do trabalho escravo e da chegada dos 
africanos. 
 O Haiti é um caso limite, porque é primeiro país americano que chega à 
independência, com uma revolução feita pelos escravos (iniciada em 
1791). É a única insurreição de escravos que chega ao poder no mundo. Já
 nos outros países em volta do Brasil, a escravidão não era importante. E
 era importante no Sul dos Estados Unidos. 
 BBC Brasil - Qual a diferença do processo de abolição no Brasil e nos Estados Unidos, em 1863? 
 Alencastro -
 No Brasil, a escravidão não era como nos Estados Unidos. Lá, a 
escravidão era regional, no Sul. No restante do país, havia uma economia
 agrícola independente e movimentos abolicionistas. Já no Brasil a 
escravidão era nacional, no país inteiro, e não havia um setor camponês 
independente. Por isso, o abolicionismo não tinha como crescer em 
regiões circunvizinhas às zonas escravistas. Como foi nos Estados 
Unidos? O norte do país, não escravista, elegeu Abraham Lincoln, do 
partido republicano, e que era contrário à expansão do escravismo nos 
novos territórios dos EUA e buscava uma solução negociada para 
extingui-lo nos estados onde ele existia. Isso causou a ruptura dos 
estados sulistas com a União. Ocorreu então uma guerra civil para acabar
 com a escravidão, uma guerra sangrenta, que traumatiza até hoje o país.
 Aqui não existia nenhuma parte do território em que a escravidão fosse 
ilegal. Então, mesmo que houvesse 60 escravos no Amazonas na mão de 
alguns senhores, esse grupo fechava com o partido escravocrata no 
Parlamento. Havia uma espécie de união nacional em torno do tráfico 
negreiro e da escravidão. 
  Fotografia de família escrava nos Estados Unidos, data desconhecida (Foto: The New York Public Library)    
 BBC
 Brasil - Já se disse que as grandes transformações do Brasil ocorreram 
sem participação popular, pelas mãos da elite política e econômica. A 
independência, a abolição, a República. Mas isso é verdade para a 
abolição?  
 Alencastro - José
 Bonifácio de Andrada, que era uma espécie de primeiro-ministro logo 
depois da independência do Brasil, mandou um projeto para a Assembleia 
Constituinte, prevendo a abolição progressiva do tráfico e da 
escravidão. Já naquele momento, a classe dirigente, o corpo da 
administração imperial tinham perfeita noção de que manter o tráfico de 
escravos criaria um impasse. Porque a Inglaterra deixara claro que só 
reconheceria a independência se o Brasil acabasse com o tráfico. E o 
governo inglês, nessa época, tinha uma importância enorme. Era como se 
fosse a ONU (porque garantia o reconhecimento diplomático 
internacional), o FMI (porque emprestava dinheiro para o governo) e a 
OIT (porque vetava a importação de africanos, mão-de-obra essencial no 
Brasil) juntos, com uma força naval que desde a batalha de Trafalgar 
(1805) mandava em todos os mares. 
 Quando a Inglaterra começou a pressionar mais fortemente, os dirigentes
 brasileiros cederam, prometendo acabar com o tráfico a médio prazo. Em 
1831 é votado o fim do tráfico. Porém, sobretudo no Rio, e em menor 
medida na Bahia e no Recife, se organizam redes comércio semiclandestino
 de escravizados africanos. Só em 1850 , o comércio de africanos acabou 
de fato. Acabou de uma vez. Caiu de 60 mil africanos desembarcados em 
1849 para 6 mil em 1851. Como? Porque houve um conchavo entre 
traficantes e governo. Se amanhã acabar o tráfico de cocaína na 
Colômbia, não é porque o consumo de cocaína acabou e de um dia para o 
outro os policiais ficaram virtuosos. 
 BBC Brasil - Que conchavo foi esse? 
 Alencastro -
 Os traficantes foram prevenidos antes que o tráfico ia acabar e foram 
tirando o dinheiro. Houve uma negociação entre a classe dirigente (a 
administração imperial) e a classe dominante (os fazendeiros, as 
oligarquias regionais). O governo propôs uma lei de imigração para 
trazer trabalhadores rurais, uma estrada de ferro na região cafeeira- 
porque o transporte era feito em lombo de mula - e a redução das tarifas
 de exportação de café. 
 BBC Brasil - Depois que o tráfico acabou, qual passou a ser a estratégia do Império? 
 Alencastro -
 Quando acaba o tráfico de escravos, acaba a fonte de reprodução externo
 do sistema escravista. Depois há a Lei do Ventre Livre em 1871 (que 
declarou livres os filhos de mães escravas que nascessem a partir 
daquela data). Isso estanca outra fonte de reprodução da escravidão, que
 é a reprodução demográfica interna. Dessa forma, houve uma estratégia 
gradualista para acabar com a escravidão. 
 Este gradualismo se resume nesta ideia: a escravidão acaba quando o 
último escravo morrer. Essa era a estratégia do Império. Aí ninguém 
perde dinheiro. Mas surge então o abolicionismo. É um movimento como as 
Diretas já!: abolição já! Não tem que esperar até o último escravo 
morrer para acabar com a escravidão. Vamos abolir já, e sem indenização 
para os proprietários de escravos. Joaquim Nabuco (político 
abolicionista) afirmou que o Brasil não tinha dinheiro para pagar os 
crimes que cometeu. 
  
     Luiz Felipe de Alencastro, autor de 'Trato dos Viventes', é um dos maiores especialistas em escravidão (Foto: BBC Brasil)  
 BBC Brasil - Qual foi a participação do movimento abolicionista? E o povo, participou? 
 Alencastro -
 O abolicionismo se acentuou na década de 1880. Há importante liderança 
negra. Luís Gama, André Rebouças, José do Patrocínio, que se batiam nos 
tribunais e nos jornais. Esses são os heróis. Também há muita gente 
anônima que participou. Houve movimentos organizados para dar fuga a 
escravos, por exemplo. Aqui em São Paulo, havia o grupo do Antônio 
Bento, os Caifazes. Havia um grupo em Recife, que ajudava os escravos a 
fugirem para o Ceará, onde a maioria dos municípios já não tinha mais 
escravos desde 1884, onde os escravocratas eram minoritários . Já o Rio 
de Janeiro era a província onde o escravismo era mais renitente. Em São 
Paulo, o oeste do Estado já estava apostando na imigração porque havia 
muita fuga, e a fuga é uma forma de revolta, dos escravos comprados no 
Nordeste. Essas ações acentuaram a crise do escravismo. 
 BBC Brasil - Também se falava de reforma agrária, dar terras para os ex-escravos. 
 Alencastro - A
 reforma agrária não estava na pauta da maioria dos abolicionistas. Foi 
uma radicalização de uma parte minoritária. André Rebouças, um 
engenheiro negro com muito prestígio, tinha um programa para criar um 
imposto territorial sobre as fazendas improdutivas e fundar cooperativas
 de pequenos camponeses. Nabuco, nos anos 1880, foi porta-voz dessas 
reinvindicações. Mas no final, a ideia de reforma agrária capotou. 
 BBC Brasil - Por quê?  
 Alencastro - A
 maior parte do movimento republicano fechou com os latifundiários para 
trazer imigrantes que trabalhassem nas fazendas e não mexer na 
propriedade rural. Essa virada dos republicanos jogou Nabuco, Rebouças e
 outros no escanteio e os fez apoiar a monarquia até o fim. Depois 
disso, (no livro) "Minha Formação" (1900), Nabuco renega sua juventude 
abolicionista e faz uma declaração monarquista que constitui uma das 
frases mais infames da história da política brasileira: "Tenho convicção
 de que a raça negra por um plebiscito sincero e verdadeiro teria 
desistido de sua liberdade para poupar o menor desgosto aos que se 
interessavam por ela, e que no fundo, quando ela pensa na madrugada de 
15 de novembro (data da proclamação da República), lamenta ainda um 
pouco o seu 13 de maio". 
  
     André Rebouças defendia dar terras para os escravos que fossem libertos (Foto: Museu Afro Brasil)  
 BBC Brasil - O projeto de reforma de Rebouças e Nabuco poderia ter ido para frente? 
 Alencastro - A
 relação de forças não era favorável. Não havia um movimento camponês a 
favor da reforma agrária, ou uma base popular lutando pelo o direito à 
terra. No final das contas, o Brasil é um dos únicos grandes países 
agroexportadores que nunca fez reforma agrária. 
 BBC Brasil - Além do campo, também havia muita escravidão nas cidades? 
 Alencastro - Se
 você somar a proporção de escravos no Rio com Niterói, você tem uma 
concentração urbana de escravos que não existiu em nenhum outro lugar no
 mundo, só no Império Romano. No Brasil, a escravidão também tinha essa 
característica urbana, em uma escala que não ocorreu nas Américas. A 
escravidão marcava as cidades. Em 1849, o Rio tinha 260 mil habitantes, 
110 mil dos quais eram escravos. Isso dá 42% da população. 
 BBC
 Brasil - Como foi o dia seguinte à abolição? O que aconteceu com os 
escravos que se viram livres em 13 de maio de 1888, mas sem 
compensações, sem apoio do Estado para começar uma vida nova? 
 Alencastro - Na
 sequência da abolição, a mão de obra imigrante vai aumentando. Muitos 
ex-escravos ficam fora do mercado de trabalho na zona rural e, em parte,
 nas cidades. Mesmo sendo brasileiros, os ex-escravos não tiveram 
cidadania plena, porque a sua quase totalidade era analfabeta, e o voto 
do analfabeto foi proibido em 1882, ainda no Império. Este ferrolho para
 excluir os negros livres e os ex-escravos também atingiu os brancos 
pobres e analfabetos, como é óbvio. Até 1985, quando o voto deles foi 
permitido. 
 BBC
 Brasil - A escravidão foi um processo de muita violência. Essa 
violência usada contra os negros acabou quando a escravidão chegou ao 
fim? 
 Alencastro -
 A Constituição brasileira de 1824, no art. 179, proibiu punir crimes 
com castigo físico. A partir daquele momento, não se podia mais torturar
 - a inquisição portuguesa havia institucionalizado a tortura como 
prova, até a pessoa confessar. Vem então o Código Criminal de 1830 que 
especifica no art. 30: se o condenado for escravo ele não vai para a 
cadeia, a pena é transformada em açoite. Isso porque se o escravo fosse 
para cadeia, causaria uma perda de mão-de-obra e dinheiro para o seu 
senhor. Assim, o escravo era açoitado publicamente, humilhado, 
torturado. Depois, semanas depois, quando estivesse reestabelecido (do 
açoitamento), o escravo voltava a trabalhar. Então, a tortura foi legal 
no Brasil até 1888, mas só para os escravos. Quando a abolição ocorre, a
 polícia já estava habituada a bater neles. Neles e nos brancos 
desfavorecidos. Como no caso do voto do analfabeto citado acima, os 
mecanismos da repressão escravista contaminam a sociedade inteira. 
  
     A tortura era proibida contra brancos; para os escravos, a punição era o açoite (Foto: The New York Public Library)  
 BBC
 Brasil - 4,8 milhões de africanos aportaram como escravos no Brasil. É 
muito mais que em qualquer outro lugar no mundo. Nos Estados Unidos, 
foram menos de 400 mil. Por que a vinda de escravos para o Brasil foi 
tão grande? 
 Alencastro - São
 vários fatores. Do ponto de vista da navegação, há um sistema de 
correntes e ventos que aproxima muito o Brasil da África. A viagem de 
ida e volta para os portos brasileiros era 40% mais curta do que a dos 
navios saindo das Antilhas ou dos Estados Unidos, os quais enfrentavam 
turbulências na ida e na volta, quando atravessavam a zona equatorial. O
 Brasil também tinha mercadorias que eram trocadas por escravos, como 
tabaco e cachaça. Outro fator importante são as conexões do Brasil com 
os portos africanos. Quando a Corte portuguesa veio para cá, o Rio de 
Janeiro se tornou a capital do império português - isso incluía Angola, 
Moçambique... Também havia bases mercantis de interesse brasileiro lá - 
muito mais associadas ao Brasil do que a Portugal. Isso os americanos 
nunca tiveram. O negócio negreiro dos Estados Unidos era muito mais 
controlado pelos ingleses. 
 O terceiro fator é o boom do café, que aumentou muito o tráfico 
negreiro para o Centro-Sul do Brasil. Quem estava financiando isso em 
última instância? O operário e a classe média inglesa, francesa, russa, 
que estavam tomando café mais frequentemente. O café do Brasil não tinha
 concorrência. A partir de 1840, o Brasil vira o maior produtor mundial 
de café - e é o maior até hoje. Não foi assim com o ciclo do açúcar, que
 sofria concorrência das Antilhas. 
 BBC Brasil - Os próprios africanos participaram do comércio de escravos, não? 
 Alencastro -
 Os africanos desenvolviam comércio de escravos localizado, limitado aos
 circuitos regionais das zonas econômicas africanas. A articulação desse
 comércio interno ao comércio Atlântico - que era um dos setores mais 
dinâmicos da economia mundial, com companhias formadas, com acionistas 
investindo pesado - criou uma demanda de escravos que exacerbou o 
tráfico interno africano. Também houve a importação de armas europeias, 
dando maior impacto aos conflitos internos, que eram os mecanismos de 
criação mercantil de escravos. O comércio atlântico negreiro era um 
comércio totalmente europeu e brasileiro. Nunca houve um navio africano 
vendendo escravo nos portos das Américas. 
 BBC Brasil - Como a escravidão explica o país e a sociedade que o Brasil se tornou? 
 Alencastro -
 O tráfico negreiro em si explica muita coisa. Explica a unidade 
nacional, por exemplo. Quem quisesse se separar do governo do Rio de 
Janeiro, da Coroa, já sabia por antecipação que ia sofrer pressão da 
Inglaterra quando ficasse independente e teria que acabar com o tráfico.
 Quem estava melhor posicionado para moderar a pressão inglesa contra o 
tráfico transatlântico de africanos? O governo do Rio de Janeiro. Uma 
monarquia que tinha corpo diplomático bem plantado na Europa e era a 
única representante do sistema monárquico europeu nas Américas. A 
unidade nacional brasileira é um fenômeno inédito nas Américas. 
Falava-se a mesma língua. Mas da Patagônia até a Califórnia também se 
falava a mesma língua, o espanhol e os 4 vice-reinos espanhóis se 
fragmentaram virando 19 países. 
 Mas não é só. O tráfico também explica boa parte da diferença entre o 
Centro-Sul e o Nordeste do Brasil. O sucesso do primeiro não é porque 
teve mais espírito comercial. É por causa do café, mas também porque a 
rede negreira fluminense era mais extensa e mais eficaz na África que a 
dos negreiros pernambucanos ou baianos. Por isso, o café pode se 
expandir tanto. 
 BBC
 Brasil - 130 anos é pouco tempo, só cerca de quatro gerações. Mesmo 
assim, parece muito distante. Por que temos a impressão de que a 
escravidão é um passado tão longínquo? 
 Alencastro -
 Eu conheci gente em Goiás que falava do tempo da escravidão. E há 
depoimentos de ex-escravos colhidos no Paraná, nos anos 1950. Por que 
parece que é tão longe? Logo depois da abolição o assunto saiu de pauta.
 Salvo para se ensinar que a abolição foi uma generosidade da Coroa, do 
governo, da redentora princesa Isabel. Daí o motivo do movimento negro 
ter proposto a troca do 13 de maio pelo 20 de novembro (Dia da 
Consciência Negra), da princesa Isabel por Zumbi - numa luta política 
significativa. E depois veio também a imigração, criou-se uma outra 
história popular que não deixava muito espaço para a história dos 
afro-brasileiros. 
 BBC Brasil - A abolição foi uma farsa? 
 Alencastro -
 A abolição teve limites. Mas ela ocorreu, não foi farsa. Seria como 
dizer que a República foi uma farsa, que não acabou com a monarquia. A 
abolição acabou com a aberração gerada por um quadro institucional e 
legal que permitia uma pessoa ter como propriedade outra pessoa e seus 
descendentes, de maneira perpétua. A abolição também não foi uma 
benevolência da princesa ou do governo. A monarquia já estava caindo, 
fez uma última manobra e caiu ao tentar captar a plataforma 
abolicionista para enfraquecer o movimento republicano 
  
    
 Cerca de 4,8 milhões de africanos foram transportados para o Brasil e 
vendidos como escravos, ao longo de mais de três séculos (Foto: The New 
York Public Library)  
 BBC Brasil - O senhor é defensor das cotas... 
 Alencastro -
 O meu argumento das cotas é que elas são fundamentais para os negros, 
para os índios e para os pobres e os brasileiros em geral. São elas que 
vão consolidar a democracia plena no Brasil, com acesso à educação e ao 
trabalho. 
 BBC Brasil - Há quem defenda cotas por renda, não por cor... 
 Alencastro -
 A cota social apareceu como um argumento substitutivo dos que não 
queriam apoiar a cota racial. Ninguém falava em cota social no Brasil 
antes do movimento negro levantar a bandeira da política afirmativa 
racial - a favor dos negros e também dos índios, é importante lembrar. 
Trata-se de uma política baseada nas estatísticas étnicas dos Estados. 
Na região amazônica a proporção de jovens de origem indígena é 
importante e as cotas favoreceram a entrada deles nas universidades 
federais. 
 O Supremo Tribunal Federal votou unanimemente pela constitucionalidade 
das cotas, em 2012. Raras decisões do Supremo são unânimes. 
Juridicamente, a situação estava definida: os negros não sofrem 
descriminação legal, mas há mecanismos informais que os descriminam e 
desqualificam de forma óbvia. O censo de 2010 mostrou que a maioria da 
população é negra. Esse dado deve ser bem observado pela maioria dos 
progressistas e por setores do movimento negro que consideram a política
 afirmativa como um instrumento em favor da diversidade. É muito mais do
 que isso. É um instrumento em favor da democracia, do funcionamento do 
Estado, que favorece o país inteiro. Achar que ela garante a diversidade
 é considerar que os negros são uma minoria, como nos Estados Unidos. 
Mas no Brasil eles são a maioria. 
 BBC Brasil - O senhor também defende o ensino de história da África nas escolas. 
 Alencastro - A
 maioria das pessoas que chegaram aqui são africanos. É esse o dado que 
os professores têm que dar em reunião de pais e mestres, quando 
perguntam por que perder tempo com história da África. Ora, porque a 
África é mais importante para a formação do povo brasileiro do que a 
Ásia e boa parte da Europa e das Américas. 














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