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China cansou de ser a lixeira do mundo. E agora?



– A China começou 2018 com uma resolução radical: não  quer mais ser a lixeira do mundo. Desde a década de 1980, o país tornou-se o maior importador mundial de “lixo estrangeiro”. Mais da metade dos resíduos plásticos, eletroeletrônicos, têxteis e de papel gerados no globo terminam em solo chinês.
Eles chegam aos milhares de toneladas em navios que de outra forma estariam vazios quando retornassem ao país asiático depois de entregar bens de consumo na Europa, Estados Unidos e demais países.
Por um lado, o processamento de resíduos sólidos garantiu ao país uma fonte mais barata para produzir produtos para sua economia em crescimento, por outro, deixou um rastro de poluição tóxica no meio ambiente, com graves consequências para a saúde pública.
Cansada de ser a lixeira do mundo e determinada a cuidar melhor da própria sujeira, a China resolveu proibir a importação de 24 categorias de resíduos sólidos. A decisão foi anunciada em julho do ano passado e entrou em vigor em 1º de janeiro, dando às empresas dos países exportadores apenas seis meses para se adequar e procurar outras opções para lidar com o lixo.
Não significa que a China deixou de importar resíduos: o país continua disposto a aceitar “sucata estrangeira”, desde que ela atenda a padrões mais elevados de qualidade, garantidos por uma segregação e acondicionamento adequados no local de origem que evitem contaminação do material, o que a maioria dos países atualmente não pode cumprir.

Reciclagem de eletroeletrônicos na China. (Aly Song/Reuters)

Passivo ambiental
Ao elevar as exigências da importação de resíduo, o país ganha fôlego para se dedicar à resolução dos passivos ambientais gerados pela prática. Um dos exemplos mais notórios do problema e do tamanho do desafio que aguarda os chineses é a  reciclagem de plástico.
Em 2016, o país processou nada menos do que 7,3 milhões de toneladas de lixo plástico — volume que representa mais da metade de resíduos plásticos do mundo — de nações desenvolvidas, incluindo Reino Unido, Estados Unidos, Japão e União Europeia.
O influxo colossal de resíduos na China gerou cidades inteiras dedicadas à cadeia de reciclagem, porém, em condições que estão longe do ideal. Ambiente insalubre de trabalho, uso de mão de obra infantil, ausência de equipamentos de proteção (como máscaras e luvas) são comuns nos centros de triagem.
Uma dessas cidades foi destacada no aclamado documentário “Plastic China”, de Wang Jiuliang, que foi exibido no Sundance Film Festival no ano passado. O filme desencadeou uma onda de crítica da população na China – e analistas dizem que a produção, embora banida da internet chinesa, pode ter desempenhado um papel importante para Pequim repensar seu papel na indústria global de resíduos.




O material que não é reaproveitado na triagem é descartado em áreas a céu aberto em regiões rurais, o que não raro compromete a cultura agrícola e a criação de animais, que acabam ingerindo plástico ao confundir o material com comida.
A solução à qual muitos agricultores recorrem é botar fogo nas pilhas de plástico, prática que libera altas doses de uma fumaça tóxica que acaba por poluir tudo ao redor, água, terra e ar.
É essa indústria altamente degradante, porém, que garante o sustento de milhares de famílias chinesas. Meio quilo de plástico processado rende em média 2 centavos de dólares. Ao final de um mês, uma família consegue angariar em torno de 300 dólares  revirando lixo todos os dias. Qualquer solução para o problema do lixo terá, imperiosamente, que direcionar um olhar atencioso aos marginalizados da sociedade.

Cuidando da própria sujeira
A expectativa é que a proibição sobre as importações impulsione melhores medidas de descarte e reciclagem na China e, também, nos países exportadores. Em muitos países, o envio de plástico e outros resíduos para aterros sanitários é proibido por lei, o que vai obrigar os governos nacionais a arregaçar as mangas e planejar políticas públicas que ataquem o problema, ao invés de exportar a sujeira para outras fronteiras.
Um efeito positivo é o países concentrarem-se no desenvolvimento de indústrias domésticas de reciclagem, solução, porém, que não vem da noite para o dia. Também é possível estimular mudanças no comportamento do consumidor e implementar estratégias para reduzir o uso de plástico descartável, mudanças que já estão ganhando impulso pelo mundo.
Em última análise, no entanto, a crise de resíduos deve ser abordada na fonte do problema. “O mundo não pode continuar com o atual modelo de consumo de desperdício baseado no crescimento infinito em um mundo finito. Em vez de encontrar novos lugares para exportar resíduos, os governos e o setor privado devem encontrar maneiras de simplesmente reduzir a quantidade de resíduos que estamos criando”, disse o coordenador da campanha contra plásticos do Greenpeace Asia, Liu Hua.
Gerar menos lixo e reciclar mais formam a espinha dorsal do plano ambiental de 25 anos lançado no início de janeiro pela primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May. Ela defende o ambicioso objetivo de aumentar as atual taxa de reciclagem de resíduos plásticos da região, há anos estagnada em 44%, para 65% até 2035, medida que ainda precisa ser votada no parlamento. O Reino Unido envia mais de 60% de seus resíduos plásticos para a China, lixo suficiente para encher 10 mil piscinas olímpicas, segundo o Greenpeace UK. A União Européia, por sua vez, planeja propor um imposto sobre sacos plásticos e embalagens.
Ainda não é possível prever o impacto da decisão chinesa sobre o mercado mundial de plástico, mas uma análise da consultria Morgan Stanley indica que a China deve passar a importar mais plástico novo, aumentando a demanda. Os efeitos já podem ser observados no aumento do apetite por polietileno virgem, com importações 19 por cento maiores este ano, ao passo que as importações do material usado caíram 11%.
Ironicamente, em 2012, a China recebeu quase metade de todos os resíduos de plástico que os americanos enviaram para o exterior para reciclagem. Em artigo publicado no site de análise científica The Conversation, a professora de política ambiental da Universidade da Califórnia em Berkerley, Kate O´Neill, observa que os Estados Unidos não constroem uma nova usina de reciclagem de plástico há mais de 20 anos e muito poucas de suas fábricas existentes podem processar de forma econômica materiais plásticos pós-consumo mais difíceis de reciclar e muitas vezes sujos.
A Europa, segundo ela recicla 30 por cento dos seus plásticos, em comparação com 9 por cento nos Estados Unidos, mas a maioria dos resíduos de plástico ainda termina em aterros sanitários e nos oceanos. “Na minha opinião, a perspectiva de perder a China como consumidor de sucata ocidental poderia e deveria estimular as nações industrializadas a assumirem mais responsabilidade pelo desperdício que geram”, avalia. É a coisa certa a se fazer. Resta saber se o mundo vai aprender a lição.



nanomag

Radialista Publicitario e Líder dos movimentos sociais.


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