Números resultantes do cruzamento de dados oficiais que constam no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde com dados populacionais extraídos de pesquisas do IBGE. Fortaleza está fora da lista, com 1,29% — mas, mesmo assim, o número é inadmissível.
Em tempo
Para as mulheres que moram em Barcelos (AM), por exemplo, a principal causa de morte é a agressão. No período analisado, 48 delas foram vítimas de violência, frente às 34 que morreram por problemas no sistema circulatório (como doenças hipertensivas, isquêmicas e AVCs) e às 17 que faleceram vítimas de câncer (todos os tipos). Isso faz com que as mulheres desse município, de 27.589 habitantes, convivam com a maior proporção de mortes femininas em decorrência de agressão em todo o país: 19,5% dos registros oficiais – uma em cada cinco.
As mulheres que residem em Alto Alegre e Caracaraí, duas cidades que ficam em Roraima e têm populações de 16.053 e 20.537 pessoas, respectivamente, também enfrentam números que merecem atenção. Entre 2007 e 2016, 34 das mulheres residentes em Alto Alegre morreram em decorrência de agressões. Trinta foram vítimas de câncer. Em Caracaraí, 46 mulheres residentes no município faleceram pela violência, 29 de câncer e 43 por problemas de circulação. Neste município, a violência também aparece como a maior causa mortis de suas residentes. Vítimas de agressão no período do estudo representaram, respectivamente, 10,1% e 17,3% do total de óbitos dessas duas cidades.
Quando a análise dos dados do SIM é feita a partir do local da ocorrência da morte – e não mais a partir da cidade de residência da mulher morta – Barcelos, Alto Alegre e Caracaraí voltam a se destacar. Nos mesmos 10 anos, morreram de agressão em Barcelos 38 mulheres em decorrência de violência; 13 por câncer e 30 por problemas no sistema circulatório. Em Alto Alegre, os registros públicos indicam 32 (agressão), contra 14 (câncer) e 17 (circulatórios). Em Caracaraí, 54 (agressão), frente a 11 (câncer) e 20 (circulatórios).
Se analisadas as estruturas de saúde disponíveis nesses três municípios em 2016 – sempre tomando por base os dados do Ministério da Saúde – constata-se que apenas Caracaraí não tinha um hospital geral para atender tanto as suas residentes quanto as mulheres que buscaram auxílio vindas de outras partes do país.
100 casos por ano
Por conta do tamanho de suas populações, São Paulo e Rio de Janeiro obviamente aparecem em primeiro e segundo lugares na lista das cidades com o maior número absoluto de casos de mulheres residentes mortas por agressão, se somados todos os registros feitos entre 2007 e 2016. Foram 1.497 casos na capital paulista e 1.197 na capital fluminense. Proporcionalmente, no entanto, são as capitais com menos registros desse tipo. Eles representam 0,4% do total de óbitos femininos. Mas, ainda assim, vale destacar que as duas metrópoles precisam enfrentar a dura realidade de conviver com uma média anual de mais de 100 mortes femininas desse tipo todos os anos.
A única outra capital que vive a mesma realidade em termos absolutos – ou seja, com mais de mil casos ao longo de 10 anos – é Salvador. Boa Vista aparece na pesquisa feita como a capital que merece maior atenção das autoridades e dos movimentos em defesa das mulheres. Os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, que, segundo o Ministério da Saúde, “capta todos os óbitos do país a fim de fornecer informações sobre mortalidade para todas as instâncias do sistema de saúde”, mostram que 2 em cada 100 mulheres que moram por lá morreram vítimas de violência nos anos avaliados – mais do que o dobro da média nacional.
Em tempo II
O ex-secretário Municipal da Saúde de São Paulo e hoje diretor do Monitor Saúde, Januário Montone, classifica a conclusão do levantamento como “relevante e ilustrativa”. Ele acredita que análises desse tipo, os chamados benchmarks, são “produtivos para a formulação de políticas públicas”.
A Lupa procurou as prefeituras de Barcelos, Alto Alegre, Caracaraí, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Boa Vista para que comentassem o levantamento.
A prefeitura do Rio informou que possui dois serviços especializados no atendimento à mulher vítima de violência: o Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM) Chiquinha Gonzaga, que realiza atendimento psicológico e social e dá orientação jurídica às mulheres, além da Casa Viva Mulher Cora Coralina, que serve de abrigo a mulheres em situação de violência doméstica com risco de morte. Em 2018, 1.229 mulheres foram acompanhadas, diz a prefeitura carioca.
A prefeitura de São Paulo informou, também por e-mail, que, desde 2015, possui o Programa Guardiã Maria da Penha, que busca combater “a violência física, psicológica, sexual, moral e patrimonial contra as mulheres, monitorar o cumprimento das normas penais que garantem sua proteção e a responsabilização do agressor”.
A prefeitura acrescenta que as mulheres entram no projeto após medidas protetivas judiciais e que hoje há 225 delas sendo beneficiadas e recebendo visitas domiciliares periódicas de guardas civis. O grupo também dispõe de uma ferramenta chamada Socorro Imediato, que funciona dentro do aplicativo SP + Segura, diz a prefeitura.
Boa Vista, por sua vez, informou por nota que mantém, em parceria com o Tribunal de Justiça de Roraima, a Patrulha Maria da Penha, em que guardas civis municipais atuam para garantir o cumprimento de medidas protetivas. Acrescenta que faz trabalho de prevenção nas escolas, como é o caso dos projetos sociais Família que Acolhe e Maria Vai à Escola, que tratam sobre prevenção e violência doméstica. A prefeitura destaca, no entanto, que “segurança pública é competência do Estado, e em Roraima não existe uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, sendo que 65% da população de Roraima está em Boa Vista”.
Até o fechamento desta reportagem, as demais prefeituras não haviam retornado os contatos da reportagem.
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